Há exatamente um mês (06/07), partia desta vida Maurício Impelizieri de Moura, um discreto mineiro conhecido pelos belos aviões que projetou. Sobrinho do 1º Tenente Av. Jacinto Pinto de Moura – um veterano da FAB – formou-se em arquitetura no ano de 1960, e posteriormente fez um curso de extensão na UFMG, dedicado a projetos de aviões. Após conhecer as máquinas de Stelio Frati, principalmente o SIAI 260, decidiu idealizar um avião próprio, com base nas diretrizes e conceitos utilizados pelo projetista italiano. Tudo isso em uma época em que a aviação experimental brasileira ainda engatinhava, e eram raríssimos os modelos homebuilts de alto desempenho.
O primeiro projeto a sair da pena do Mauricio foi o Esqualo I (batizado assim em referência aos tubarões). Era um monomotor de alumínio, movido com um motor Lycoming de 180 HP, cruzava a 200 mph a 75%, estolava ‘limpo’ com 75 milhas, e com flaps a 55mph. Tinha um peso máximo de 930kg, carga alar de 107,0kgf, e suportava até 6 g’s positivos e 3 g’s negativos.
Um grande colaborador do Maurício foi o incansável Edson do Carmo, mecânico de mão cheia, que o auxiliou na concretização de todos seus projetos.
Abaixo, o Esqualo I sobrevoando Lagoa Santa.
Acima e abaixo, o avião no Aeroporto Carlos Prates.
O Esqualo I foi testado pelo mestre Fernando Almeida para algumas revistas, dentre as quais a ‘Aviação Desportiva’ (1986), cujo texto segue abaixo, reproduzido na íntegra:
O Esqualo I era um primor, e sempre foi admirado pelos frequentadores do Aeroporto Carlos Prates, em Belo Horizonte, onde ficou baseado por vários anos. Posteriormente, o avião foi vendido para outro proprietário, e certo dia, enquanto voava sobre a região do anel rodoviário de BH, sofreu uma pane no governador da hélice. Ao tentar pousar na estrada, chocou-se com uma carreta e ficou praticamente destruído, mas o piloto sobreviveu.
Após ele, veio o Esqualo II – também apelidado de ‘Mini Esqualo’, e que foi considerado o melhor projeto vindo da pena do Maurício.
Existiu também o desenho de um terceiro avião, o Esqualo III, que seria um avião anfíbio, com um traçado bem parecido com o do Icon A5. No entanto, não chegou a sair do papel.
Quando perguntavam a ele porque todos os seus aviões tinham trem retrátil, ele respondia: “Se qualquer mosca esconde as patinhas quando voa, por que meu avião não haveria de ser retrátil?”
O avião que despendeu maior dedicação do Maurício em tempos recentes foi o Esqualo IV, iniciado por volta de 2003, e que era uma versão maior e mais potente do modelo II. Utilizava um motor V6 adaptado e tinha um desempenho bastante significativo.
Apesar de ser um mineiro tranquilo, Maurício gostava de aviões com desempenho arrojado. Assim, cada voo de passeio se tornava também uma façanha, ainda mais à medida em que a idade avançava: afinal, um senhor de 83 anos pilotando um avião a quase 400 quilômetros por hora não é algo que se vê todo dia…
Foi no Esqualo IV que Mauricio veio a falecer, em decorrência de uma explosão ocorrida nos tanques combustível, durante um dos voos de testes (para maiores detalhes, conferir no final da página o comentário adicionado por Marcelo Impelizieri).
__________________
Quando, por volta de 2014, manifestei ao Mauricio o interesse de escrever um pouco da história dos projetos, fui convidado até sua casa, onde pude conhecer a oficina onde fez boa parte dos seus aviões. Vi que ele fazia questão de fazer ‘do zero’ tudo que fosse possível, desde as estruturas até a bolha do canopy, e os cálculos eram todos realizados ‘à moda antiga’, sem o auxílio de computadores. Nessa ocasião, ele me entregou algumas dessas fotos que ilustram esse texto, para que fossem guardadas para uma futura matéria sobre os aviões Esqualo – ele queria primeiro testar bastante o modelo IV, para só depois disso fazer fotos air-to-air e divulgar o avião. Como essa expectativa foi interrompida pela sua partida, então tomei aqui a iniciativa de divulgar o material.
Os aviões Esqualo foram feitos sem finalidade comercial, e ele os desenhava pensando apenas em voá-los para si. Com isso, não guardava nenhum de seus projetos, e, segundo ele, as plantas dos Esqualos I e II foram perdidas após a construção dos modelos.
Mas ele tinha guardado um outro projeto, que nunca chegou a ser feito: um motoplanador biplace, que ele batizou de ‘Capuccino’. Disse-me que não teria mais tempo de construí-lo, e presenteou-me com as plantas. Quem sabe algum dia seja possível tirar do papel…
por Plinio Lins
_____________________________
Como posfácio, fica aqui um texto escrito em certa ocasião pelo próprio Maurício para o site da ABUL:
“A burocracia da ANAC ainda não me incomodou porque consegui o RAB do meu projeto e construção experimental em 2003 através da ABUL. Mas é importante lembrar que toda aviação geral é prejudicada, e vista com certo desinteresse, por ser considerada mais uma extravagância burguesa do que como uma atividade que gera muitos empregos, de todos os níveis técnicos.
No meu caso por exemplo, já empreguei, e paguei razoavelmente bem, vários que ao longo de minhas construções me ajudaram muito. Artesãos, pintores, eletricistas, mecânicos até engenheiros. Alguns destes se encontravam desempregados na época.
E agora o conselho que sempre dei: procure aprender e estudar o máximo possível e torne-se um autônomo competente pagando somente seu próprio INSS. Fique livre dos impostos absurdos e covardes, e dos patrões complicados.
A Aviação Experimental e de Ultraleves carrega em seu bojo a tecnologia de base que é o que devemos saber de fato. Ninguém lida com um avião, por menor que seja, sozinho. Somos obrigados a passar para os que conosco trabalham um mínimo de tecnologia – que depois, revestida de computadores, passa a ser chamada de “Tecnologia de Ponta”. O perigo desta é que os operadores de computadores em pouco tempo esquecem, ou nunca souberam, dos cálculos básicos ou ali embutidos. Ficam escravos dos programadores; viram “pianistas de computadores” – desliga-se a tomada, e aí acaba o engenheiro ou técnico.
Conclusão: Vem aí meu apelo a ANAC para agilizar e desburocratizar o atendimento a esta ESCOLA, quase invisível e técnica, mas que é real.
Atrás de cada avião – são centenas em todo Brasil – existe um grupo de apoio constituído por esses trabalhadores. Essa aviação beneficia tanto ou mais os que nela encontram emprego do que propriamente os construtores, proprietários ou pilotos. São todos trabalhadores competentes, fazem algo extra por fora, ou desempregados. Isto também é SOCIAL, e bem inteligente por sinal!
Atenciosamente,
Maurício Impelizieri P. Moura